Tuesday, August 26, 2008

Terra Oca

Regiões Subterrâneas do continente escavadas em cavernas ciclópicas, redes fractais espaços que parecem catedrais, túneis labirínticos em forma de gargantas, rios subterrâneos vagarosos e negros, lagos estígios imóveis puros e levemente luminescentes, estreitas cachoeiras sobre rochas alisadas pela água, cortando florestas petrificadas de estalactites e estalagmites na complexidade dos desconcertantes peixes cegos exploradores de caverna e na vastidão insondável... Quem escavou esta terra oca debaixo do gelo previsto por Poe, por certos ocultistas alemães paranóicos, e por ufólogos malucos? Teria a Terra sido colonizada na época de Gonduana ou da Lemúria por alguma raça antiga? Seus esqueletos de répteis ainda estariam se desfazendo nos labirintos mais secretos e distantes deste sistema de cavernas? Águas paradas e dormentes, canais sem saída, poços estagnados distantes dos centros da civilização como Little America, Transport City, ou Nan Chi Han, lá embaixo, nos recessos escuros e poças das cavernas da Antártida, fungos e samambaias albinas. Suspeitamos que sejam seres mutantes, com os dedos das mãos e dos pés entrelaçados como anfíbios, hábitos degenerados - kallikaks da Terra Oca, renegados lovecraftianos, eremitas, contrabandistas incestuosos e sorrateiros, criminosos fugitivos, anarquistas forçados a se esconder depois das guerras de entropia, fugitivos do puritanismo genérico, dissidentes das sociedades secretas chinesas e fanáticos do turbante amarelo, piratas das cavernas da costa da Índia, lixo brando pálido e sem vida dos proletários das majestosas indústrias de Tongue Thwait, da costa de Walgreen e da terra de Edsel-Ford - os trogloditas têm mantido viva por mais de duzentos anos a memória folclórica da Zona Autônoma, o mito de que algum dia ela aparecerá de novo... taoísmo, filosofia libertina, bruxaria da Indonésia, culto da Caverna Mãe (ou Mães), identificada por alguns estudiosos como a deusa javanesa do mar/lua Loro Kidul, por outros como um divindade menor da Seita da Estrela Polar do Sul, a ``deusa Jade''... manuscritos (escritos em Bahasa Ingliss, o dialeto pidgin das cavernas profundas) contêm citações mutiladas de Nietzsche e e Chuang-tsé... O comércio consiste em ocasionais pedras preciosas e no cultivo de papoulas brancas, fungos, cerca de uma dúzia de diferentes espécies de cogumelos ``mágicos''... O raso lago Érebo, com 5 milhas de diâmetro, polvilhado de ilhotas pinheiros negros, mantidos numa caverna tão vasta que às vezes cria seu próprio clima... A vila oficialmente pertence a Little America, mas, em sua maioria, os habitantes são troglos vivendo de seguro-desemprego - e a caverna profunda do país tribal estende-se no outro lado do lago. A ralé, artistas, viciados em drogas, feiticeiros, contrabandistas, vagabundos e pervertidos moram em hotéis de basalto e gesso caindo aos pedaços, incrustados até a metade por pálidas trepadeiras verdes; ao longo do lago, uma avenida de esquálidos cafés, empórios de pedras preciosas defendidos por ninjas armados, botecos chineses que oferecem sopa de macarrão com pequenos camarões, o hall enfeitado vistosamente de cristal para lentos dançarinos de folk ao som dos gamelões, rapazes praticando seus mudras em sonolentas tardes eletrônicas azul-escuras ao som de gongos sintéticos e metalofones... e sob o cais, talvez alguns poucos banhistas vacilantes ao largo da praia negra; perplexos, genuínos turistas de baixa renda no santuário atrás do bazar onde troglos pálidos e velhos entram em transe com fungos, babam e reviram os olhos, respiram os fumos do incenso pesado, tudo de repente parece ameaçadoramente brilhante, piscando com ênfase... uns poucos casos de dedos entrelaçados, mas os rumores de promiscuidade ritual são verdadeiros. Estava eu vivendo numa vila de pescadores troglos, do outro lado do lago de Érebo, num quarto alugado em cima da loja de iscas... preguiça rural e degenerados ritos supersticiosos de abandono sensual, o mistério larval e doentio dos troglos mutantes ctenóides e oprimidos, preguiçosos e sem viço...
Little America, tão cristã e livre de mutações, eugênica e ordeira, onde todos vivem conectados ao reino descartado de antigos softwares e holografias, tão euclidianos, newtonianos, limpos e patrióticos - Los Angeles nunca entenderá esta inocente feitiçaria suja, este ``espiritualismo material''. Esta escravidão aos desejos vulcânicos de gangues secretas de rapazes das cavernas como flores sorridentes jorrando em ereções-dínamo, pulsando pura vida, curvados e tesos como arcos, e o cheiro de água, musgo do lago, flores brancas que desabrocham durante a noite, jasmins e figueiras-do-inferno, urina, cabelo molhado de criança, esperma e lama... possuídos por espíritos das cavernas, talvez os fantasmas de alienígenas antigos agora vagando como demônios, procurando renovar prazeres da carne e de substâncias perdidos há muito. Ou talvez a Zona tenha já renascido, já um nexo de autonomia, um vírus do caos que se espalha em sua mais exuberante forma clandestina, cogumelos brancos venenosos brotando dos pontos onde garotos troglos se masturbaram sozinhos no escuro...

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