Tuesday, August 26, 2008

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O que isso diz a você não é prosa. Pode ser pendurado no quadro de avisos, mas ainda está vivo e retorcendo-se. Não pretende seduzi-lo, a não ser que você seja de extrema juventude e beleza (anexe uma foto recente).
Hakim Bey mora num decadente hotel chinês onde os proprietários balançam a cabeça de um lado para o outro enquanto lêem os jornais e escutam transmissões estridentes da Ópera de Pequim. O ventilador de teto gira como um dervixe indolente - suor pinga sobre a página - o cafetã do poeta está encardido, seus cinzeiros derramam cinzas no tapete - seus monólogos parecem desconexos e levemente sinistros - por trás das janelas fechadas, o gueto desaparece entre palmeiras, o ingênuo oceano azul, a filosofia do tropicalismo.

Numa estrada em algum lugar a leste de Baltimore, você passa por um trailer Airstream, e enxerga uma grande placa plantada na grama: LEITURAS ESPIRITUAIS, com a imagem de uma rude mão negra sobre um fundo vermelho. Lá dentro, você encontra livros sobre sonhos e numerologia, panfletos sobre vodu e macumba, revistas de nudismo velhas e empoeiradas, um pilha de Boy's Life, tratados sobre briga de galos... e este livro, Caos. Como palavras ditas num sonho, portentosas, evanescentes, transformando-se em perfumes, pássaros, cores, música esquecida.

Este livro se mantém a distância por uma certa impassibilidade em sua superfície, quase que visível através de um vidro. Ele não abana o rabo e não grunhe, mas morde e estraga a mobília. Ele não tem um número ISBN e não o quer como discípulo, mas pode seqüestrar seus filhos.

Este livro é nervoso como o café ou a malária - ele cria, entre si e seus leitores, uma rede de desertores e outsiders - mas é tão cara-de-pau eliteral que praticamente se codifica - fuma a si próprio em estupor.

Uma máscara, uma automitologia, um mapa sem nome de lugar algum - hirto como uma pintura egípcia que, no entanto, logra acariciar o rosto de alguém e, de repente, encontra-se na rua, num corpo, envolvido em luz, andando, acordado, quase satisfeito.


-- Nova York, 1 de maio a 4 de julho de 1984

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